22/08/2016

Carta a um vizinho

Estimado vizinho:
Espero que não leve a mal esta carta que tomo a liberdade de lhe escrever. Não nos conhecemos pessoalmente e também não ficará a saber quem sou (desculpe a cobardia), mas tinha que escrevê-la e acredite que tem as melhores intenções.
Cruzando-nos diariamente na vizinhança, foi impossível não me aperceber da sua reforma e de como passou a sair sempre com a esposa, para a mercearia, o café ou o talho. Notava-se bem a cumplicidade de longos anos de casamento.
Do mesmo modo, foi percetível a doença dela, a forma como a sua saúde se deteriorou com gravidade e como passou a ser o senhor a tratar de todos os pormenores da vida da casa. Via-se como, apesar das suas próprias limitações físicas, a acompanhava e ajudava sempre. E, claro, soube-se do triste, mas inevitável, desfecho, que o deixou com o ar cansado, abatido e triste, que mantém ainda hoje, cerca de dois anos volvidos.
Já pude perceber que é uma pessoa algo solitária, que não terá muitos amigos e, por isso, pouco sai de casa. Já percebi que tem filhos, no entanto creio que estes não se apercebem do seu isolamento e tristeza, porque junto deles vejo-o sempre com uma cara alegre que me parece mais fachada do que real felicidade.
É por isto que escrevo. Queria que soubesse que na zona há vários centros de dia, grupos recreativos e uma universidade sénior (a listagem está no verso desta folha, com moradas e contactos), onde poderá encontrar pessoas com quem conversar, falar dos eventos do dia a dia, da política e do futebol, recuperar alguma alegria de viver.
 E, se para nada mais servir esta carta, que sirva para saber que a sua vida toca a de outras pessoas e, por isso, não está sozinho no mundo.

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