Vivo numa cidade bela,
com um rio maravilhoso em que o céu azul se reflete e com escarpas de pedra
cinzenta, agora na primavera pontilhadas de plantas verdes e flores coloridas.
Mas quando se vive no centro, por entre casas degradadas e na rotina do “casa-trabalho/trabalho-casa”,
é fácil esquecê-lo. Foi preciso um desafio para, num dia cansativo e
aborrecido, reparar que ao cimo da rua ingreme que constitui o meu percurso
diário a caminho de casa, há uma casa antiga em azulejo cor de laranja. Quem me
conhece, sabe que é cor que abomino, mas naquele dia, naquele momento, aquela
casa parecia-me um destino a alcançar, brilhante e colorida, animando o
cinzento do dia e, estranhamente, o cinzento que tinha nesse dia cá dentro.
Porque, nesse dia, a
minha cor interior condizia com o tempo. Mas neste período notei também que,
embora um céu azul anime e um dia cinzento deprima, são apenas fatores
colaterais na disposição geral. Ainda que uma manhã solarenga predisponha ao
bom humor, e que um dia chuvoso faça apetecer voltar logo para a cama, a
companhia certa faz também muita diferença.
Observei o azul
profundo do céu limpo, quando já anoiteceu e já se vêm estrelas, um azul sereno
que inspira sonhos e fantasias e que, pela sua beleza, lembra um manto de
príncipe, transmitindo paz e confiança no amanhecer do dia seguinte.
Apreciei umas pequenas
árvores, quase escondidas numa pequena praceta, ainda sem folhas, mas cheias de
flores rosa pálido, tão discretas que quase passavam despercebidas, e também as
árvores bem verdes de um jardim perto de casa, que me fez pensar porque não o
aproveito mais vezes, na correria do dia a dia, já que tenho ali um ponto onde
parar um pouco com serenidade. Mas serenidade obtenho também quando acaricio o
pelo preto sedoso do meu gato mais mimalho, aquele que de tanta turrinha me faz
entornar o chá por cima de mim e que tenta roer a caneta com que escrevo.
Concentrei-me também na
beleza das diferentes cores de olhos. Os olhos das pessoas fascinam-me, aquelas
janelinhas para a alma, diz o povo, mas para mim normalmente inescrutáveis. Todos
os olhos são belos, quando nos olham com franqueza e amizade. Sejam olhos castanhos
quase negros, cor de avelã, azuis brilhantes ou verdes claros, ou aqueles em
que os laivos de verde numa base castanha nos deixam sem saber com que cor os classificar.
Mas, seja qual for a cor, quando podemos olhar alguém nos olhos e não sentir nenhum
tipo de desconforto, sabemos que temos ali um amigo.
Não podia concluir a
minha incursão pela cor sem olhar para mim própria. Sem reparar que só uso
apenas cores neutras quando estou aborrecida (ou com excesso de roupa por
lavar), porque o meu habitual é usar cores vivas. E que, por essa minha paixão
pela cor, ao entrar na minha loja de tricot favorita (http://loja.ovelha-negra.com/pt/), todos
aqueles novelinhos coloridos me fazem sentir como uma criança numa loja de
gomas, a desejar comprar tudo o que vejo. Porque a cor é de facto um aspeto que
conta muito para mim e que afeta muito os meus estados de espírito. E precisei
deste desafio para o notar.
O primeiro curso em que
me inscrevi no Skillshare foi “Creative-Writing-for-All-A-10-Day-Journaling-Challenge”(https://www.skillshare.com/classes/writing/Creative-Writing-for-All-A-10-Day-Journaling-Challenge/1042474131?via=user-profile),
em que o desafio é escrever pequenos textos ao longo de 10 dias começando por “hoje
notei”. Depois duma tentativa falhada de cumprir com os 10 dias de escrita,
percebi que, naqueles em que efetivamente tinha cumprido, dois temas saltavam à
vista: assuntos muito pessoais e cor. Assim, decidi retomar o desafio
centrando-me na cor. Este texto é baseado nesses pequenos apontamentos e é o
primeiro de não ficção neste blogue.
Sem comentários:
Enviar um comentário