04/04/2016

Fuga

Foi a altura certa para fazer as malas e sair, duma vez por todas, daquela casa onde já nada a prendia, a não ser a memória do que haviam sido e as súplicas incessantes de Diogo para que não partisse.
Sofia não aguentava mais permanecer naquela relação estagnada, onde não tinham mais para partilhar, para dar um ao outro, onde as discussões eram constantes, alternadas com os amuos silenciosos de Diogo, que se queixava sempre que Sofia já não o amava, sem se aperceber que também ele já não sentia amor por ela, apenas estava preso pelo hábito.
Sofia deitou um último olhar ao apartamento vazio, aquele para o qual lhe custava cada vez mais voltar ao fim do dia, adiando o regresso sempre mais um pouco, mais uns minutos no trabalho, mais uma aula no ginásio.
Sentiu de novo o aperto no estômago dos remorsos, aproveitar a viagem de negócios de Diogo para se libertar era um ato cobarde, bem o sabia, mas também sabia que era a única forma de o fazer acontecer, porque quando começavam as súplicas ficava incapaz de agir, não pelo presente ou por perspetivas de futuro, mas pelas memórias da vida comum e dos sonhos que tinham partilhado, agora estilhaçados pelo chão e que teria que pisar para sair, ainda que por isso tivesse que se ferir e sangrar.
Pegou nas malas que continham apenas aquilo que lhe pertencia. Os objetos comuns ficavam, já iria haver discussões suficientes sem que tivessem que decidir quem ficaria com a coletânea dos Queen.
A chave ficava em cima da mesinha, com uma carta cuja redação lhe custara horas de escrita, rasgar de folhas e choro.
Quando bateu a porta, as lágrimas recomeçaram a correr, mas nem Sofia seria capaz de dizer se eram de tristeza ou de alívio.

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